quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Entrevista a Alípio Rodrigues da Cruz

(...)Já ia para os 30 anos.Fui para lá como enchedor ganhar oito mil e quinhentos escudos. Quando eu lá andei, andavam para cima de 300 pessoas porque no tempo da guerra não havia que comer e as minas acudiram a muita gente. Pegava às 10 da noite até às 6 da manhã e meia hora para comer. Levávamos a marmitazinha e comíamos no fundo da mina, em cima duns cepos. Havia uma máquina que apitava a todas as horas mas a gente no fundo não ouvia. Sabíamos quantas horas eram porque tínhamos um relógio de bolso. Não havia balneários. Saíamos todos pretos do fundo da mina e lavávamo-nos em casa. O chofage era o melhor carvão, o de primeira, depois tínhamos o arraiana que também ardia mas não ardia tanto, e havia o mistro que era o que fazia aquelas bolas.
O carvão, naquele tempo, era transportado nos carros de bois. Ia para as caldeiras que havia no Porto, para Massarelos, para a Fábrica da Leonesa e para diversas coisas. Depois é que puseram as zorras, uma espécie de eléctrico aberto, que levavam o carvão das minas de São Pedro da Cova. Quando se fez o campo das Antas, as cestas do carvão, de cabo aéreo, iam daqui para o Monte Aventino, de lá iam para a Estação de Rio Tinto e dali é que era distribuído o carvão para as caldeiras. Com o gasómetro gastava meio quarto de carbonete à minha conta. O gasómetro era para a gente se alumiar no fundo das minas. Usávamos o machado, a picareta com que a gente picava o carvão e o rodo de puxar. O mineiro ganhava 10$00 mas as regalias eram iguais às nossas. Tínhamos, por exemplo, uma cantina. Era tempo de guerra, era tudo racionado, falhava a broa em todo o lado mas na cantina nunca falhava e foi isso que me obrigou a ir para as minas, para matar a fome aos meus filhos. Eu tinha direito a 1 Kg de broa e os meus filhos tinham direito a 1/2 Kg. Lembro-me da greve dos mineiros de 1946. Aqui em baixo, defronte dos bombeiros, o sindicato tinha uma cantina e fazia lá sopa para os filhos dos mineiros porque, como eles estavam em greve, não havia que comer. Cheguei a lá ir. Mas aquilo era uma escravidão. No princípio, descíamos a pé para o fundo das minas. Depois, puseram uma escadaria que nem era escadaria nem nada. Parecia que íamos numa jaula. Era o guindaste de São Vicente. Eu chegava lá, tinha de vestir um calção, chamávamos nós uma tanga, e o corpo para cima em pelote, porque no fundo da mina era muito calor e a gente não aguentava. O capataz dizia assim: "amanhã ao fim de 8 horas quero tantas barlinas", que eram vagonetes. Mas o clima era muito quente e se não cumpríamos, chegávamos ao fim da quinzena e em vez de recebermos 15 dias, recebíamos só 12 ou 13. Os capatazes eram uns carrascos para nós. Obrigavam-nos a "botar" aquela conta e se a gente não "botasse", o castigo era não ganhar. Trabalhávamos e não ganhávamos. As galerias eram como os prédios, tinham o 1º, 2º, 3º, 4º e 5º piso. A gente só cabia em pé. Houve muitos acidentes. Até morreu muita gente. Uma ocasião, eu vinha por uma galeria abaixo e estraguei um pé. Nunca apanhei a silicosa mas muitos colegas meus apanharam. Quem quisesse falar com o Dr.Porfírio de Andrade que era o manda-chuva das minas, tinha de pôr o casco, o emblema, da Legião. Aquele que dizia alguma coisa já sabia onde é que havia de parar. Saía do fundo da mina e já estava a PIDE para o levar, como aconteceu a muitos. "Bufos" era o que havia mais e eles iam dizer ao Dr.Porfírio de Andrade e ele dava logo com a PIDE.
Andei no fundo da mina não chegou bem a 3 anos.
Depois fui trabalhar para a firma alemã Hintze e Companhia Lda. que era na Rua Sá da Bandeira, nº 520. Eram uma jóia de patrões. Sem saber ler, fui fazer a cobrança ao dia 10. Ia à Alfândega despachar máquinas, tirar as confrontações para as máquinas (que eram os números delas), ia aos bancos depositar ou levantar dinheiro... Comecei a ler qualquer coisinha à custa disso. Aprendi sozinho. Fui ganhar 950$00 e já descontava para a Caixa. Pelo meu sindicato, que era o Sindicato dos Caixeiros, eu não tinha direito a folga mas o patrão dava-me por livre vontade dele. Dava-me, por exemplo, quinze dias de férias para eu descansar. Trabalhávamos sete horas e meia por dia. Ao Sábado de tarde e ao Domingo já não trabalhava. Ao fim do ano, davam-me um conto de réis como gratificação de Natal. Naquela altura era muito dinheiro. Trabalhei 20 anos nessa firma. Quando saí ganhava um conto e cem e davam- me o passe que era bem bom. Saí porque eles ficaram sem a representação da marca Agfa. Deram-me uma carta com aviso prévio e uma indemnização de vinte contos. Ao fim de três meses estávamos todos despedidos. Dali fui para a Pensão Aviz, para a Rua Entreparedes, restaurar salas. Fazia trabalho de marceneiro. Punha cortinados, sanefas a correr à mão, arranjava camas. Fui para lá ganhar 13$00 por dia e davam-me de comer ao meio-dia. Trabalhava oito horas por dia e também trabalhava ao Sábado mas depois o patrão deu-nos o Sábado de folga. Estive lá 12 anos. Quando saí, na idade da reforma, já ganhava quatro contos e tal. Hoje é que estou com 46 contos. É uma miséria. Depois dediquei-me a fazer peças de artesanato. Tenho aqui a banca de matar porcos e o alguidar porque naquele tempo, em São Pedro da Cova, não havia matadouro e os porcos matavam-se em casa. A gente ia lá buscar o sangue para fazer papas em casa. Há 16 anos, fui convidado para concorrer a um curso que era para pôr os deficientes a trabalhar. Era no Carvalhido e na altura ganhava 60 contos por mês. Ensinei-os a fazer miniaturas em madeira. Fez-se uma exposição dos trabalhos que eles fizeram, frente à Câmara de Gaia, e fui entrevistado no programa "Às Dez". Também trabalhei muito para o Museu Mineiro. Fiz as camas, trabalhei na limpeza porque aquilo era uma miséria ali no bairro. Eu e os outros. Tudo de graça. Este ano, o Sr. Valentim Loureiro condecorou-me no dia dos meus anos, no dia 26 de Maio.
(Retirado do site “http://cdi.upp.pt)

1 comentário:

  1. Naquele tempo, esse Senhor não poderia ganhar 8 mil e quinhentos. É erro de certeza que convém rectificar

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