sábado, 20 de março de 2010

Farmácia / Posto Médico / Escola

Na Farmácia, os medicamentos eram fornecidos aos operários e às suas famílias gratuitamente, bem como as consultas médicas e os domicílios.
Como não existia outra farmácia na região, a Companhia das Minas abriu a sua farmácia a todos os habitantes da sua região.
A Escola Profissional da Mina destinava-se principalmente à formação de capatazes conscientes. O curso era de 3 anos, nos quais é dada a habilitação de instrução primária.





Fonte: Folheto fornecido pela Casa da Malta/Museu Mineiro
Cooperativa (cantina) / Padaria

A cooperativa ou cantina como é mais conhecida entre os trabalhadores, é uma secção de venda da Companhia das Minas, onde os operários encontravam todos os géneros mais baratos que o preço corrente no mercado.
A padaria produzia broa, a base de alimentação da população de S.Pedro da Cova.
A broa fabricada a Padaria da Companhia das Minas é o chamado pão de milho.






Fonte: Folheto fornecido pela Casa da Malta/Museu Mineiro
Escombreira

Escombreiras são plataformas artificiais formadas pelo depósito de resíduos estéreis, no caso de S.Pedro da Cova, resultantes da exploração de carvão.
O único vestígio deste género, ainda presente na freguesia, é a escombreira que teve maior importância durante os anos de extracção de carvão, denominada por Alto Gódio, e é formada essencialmente por materiais xistosos e xistos-carbonosos, sendo visível em grande parte da freguesia, nomeadamente nas zonas mais altas. É facilmente identificada devido à sua cor: o negro.



Fonte: Folheto fornecido pela Casa da Malta/Museu Mineiro

Bairro Operário


Surge da necessidade de aumentar o número de operários, funcionando como um chamariz para operários oriundos de outras regiões.
A construção do primeiro bairro operário de S.Pedro da Cova teve início em 1920, e em 1921 já possuía 92 habitações.




Fonte: Folheto fornecido pela Casa da Malta/Museu Mineiro


Greves de Operários

Existiram enumeras greves dos trabalhadores mineiros pela luta de melhores condições de trabalho e de salário. Entre outras, destacam-se :

1923 - contra os períodos de 16 horas consecutivas de trabalho;

1946 - contra o "patronato nazi-fascista".

Março de 1970 - encerramento das minas
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22 Maio de 1975 - Ocupação dos escritórios por parte dos operários mineiros.


As Minas e o Carvão

Inicialmente, a extracção de carvão não era feita em grandes quantidades, sendo só usado para uso doméstico. Contudo a sua exploração foi ganhando outras dimensões e na primeira metade do séc. XX a sua extracção era sobretudo para a utilização industrial (produção de vapor, energia termoeléctrica...). É nesta época que o carvão e as minas atingem o seu apogeu, foi quando se abriu o poço de S.Vicente, atingindo os 157 metros de profundidade e este é hoje uma das únicas recordações desta actividade que tanta importância teve no nosso concelho. Foi instalado também (antes da construção do poço de S.Vicente), em 1914, um outro equipamento necessário, o cabo aéreo de nove quilómetros de extensão que permitia o transporte de carvão em pequenos vagões, desde as minas à, principalmente, cidade do Porto (Monte Aventino). Outro meio de transporte era a zorra - "carros eléctricos", adaptados para a troca de mercadorias e dada à sua característica sujidade, devido ao pó negro de carvão, eram apelidados de viúvas.
Mas com a revolução do 25 de Abril e com o desenvolvimento da indústria, da tecnologia e da energia que não parou, na segunda metade do séc. XX trouxe uma nova realidade negativa para a população mineira. Devido ao petróleo e a produção hidroeléctrica, a extracção do carvão baixou, tornando-se cada vez mais escasso e, em 1970, a exploração mineira de S.Pedro da Cova é encerrada. Como principal consequência, os ex trabalhadores passavam fome e miséria.

sábado, 27 de fevereiro de 2010


A História de S.Pedro da Cova

A história de São Pedro da Cova teve início nos princípios da fundação de Portugal: em 1138 D. Afonso Henriques doou a D. Pedro Rebaldis, sucessor do Bispo do Porto, o chamado “Couto de São Pedro da Cova”. Esta doação foi confirmada em 1379 por D. Afonso III no julgado de Gondomar, o que pertence também ao “Concelho e Julgado de Aguiar”.
Com a extinção dos Coutos em 1820, a freguesia de São Pedro da Cova adquiriu o título de Concelho, que terminou em 1836. A povoação deste concelho passou a pertencer ao concelho de Gondomar.
Depois da descoberta em 1802, de carvão e antracite, existentes no seu subsolo, torna-se um centro mineiro de grande importância. Inicialmente, a sua exploração era escassa e mais tarde, nos anos 30, intensificou-se. Esta terra forneceu trabalho a várias gerações de empregados, tornando-se o principal ganha-pão. São Pedro da Cova começou a ser conhecido em Portugal como “Terra Mineira”.
O encerramento das minas, em 1970, deveu-se à crise instalada pela baixa de preços do petróleo. Devido a este problema, os habitantes tiveram de procurar melhores condições de vida, levando-os a fazer parte de um mundo completamente diferente do seu, o que agravou ainda mais a lastimável situação económica e social.
Foram criadas medidas para o crescimento e desenvolvimento económico, originando as condições e a qualidade de vida necessárias à população, o que tornou o desejo dos habitantes de São Pedro da Cova realidade.


Informação retirada do site : http://esspedrodacova.hostwq.net/joomla/docs/escola/vilaspcova.pdf
"Ao Mineiro"

"De machado ao ombro, gasómetro na mão .
O passo rasgado e olhar sereno .
A tiracolo um farnel pequeno ...
O corpo tatuado por golpes de carvão !

Toupeira humana debaixo do chão .
Vai rasgando a pulso duro terreno .
Sem ver a luz do sol nem luar ameno ...
O carvão arranca a golpes de picão !

Às tuas mãos calejadas, duras .
Ao teu braço forte e abnegado ...
À tua firmeza e à tua coragem ...

A toda uma vida pejada de agruras .
Neste teu museu hoje inaugurado .
Te perpetuamos a merecida homenagem !"


30 de Setembro de 1989
Autoria: David Rodrigues
Condições de Trabalho
Do Homem:
Inicialmente, os mineiros não tinham muitos materiais para realizarem o seu trabalho. Capacetes e galochas não eram materiais de que os mineiros pudessem usufruir na altura. As condições de trabalho também eram péssimas. Os materiais de protecção e ajuda para a realização do serviço mineiro apareceram mais tarde. Relativamente às condições de trabalho, pode-se afirmar que muitas vezes a temperatura no interior da mina chegava aos 27ºC. Quando retiravam o carvão das paredes, chegavam a atingir alguns lençóis de água, e por isso, os mineiros, em algumas galerias, trabalhavam com água até aos joelhos (muitas vezes os trabalhadores ganhavam infecções e quando agravadas, estes tinham de ser amputados). Outro dos problemas eram as passagens... muitas galerias eram tão pequenas, que para ser extraído o carvão, os trabalhadores tinham de rastejar e com um simples balde e uma picareta retiravam o carvão.
Na hora de almoço, tinham cerca de meia hora para o fazer e comiam dentro das minas. Os trabalhadores entravam para as minas de manhã e só saíam, quando acabavam o seu trabalho à noite. Quando os trabalhadores queriam fazer as suas “necessidades” não tinham um lugar próprio para o fazer, e como já referido, não podiam sair das minas.
O trabalho nas minas era muito duro e por vezes havia uma grande taxa de mortalidade nesta profissão, por dois motivos: Primeiro, nem sempre o oxigénio chegava a todas as galerias, tendo os trabalhadores que suster a respiração para conseguir realizar a tarefa e nem sempre conseguiam chegar a tempo a um local onde o oxigénio passasse e morriam sufocados. Outro motivo devia-se à utilização de explosivos para facilitar o trabalho dando origem a rebentamentos. Neste tipo de acontecimentos, os mineiros tinham de respeitar uma medida de segurança, mas nem sempre essa medida era suficiente e acabavam por ser “apanhados” pela explosão, ou então eram muitas vezes vítimas das derrocadas ocorridas devidos aos rebentamentos.
A estes trabalhadores só lhes era oferecido materiais, como por exemplo, a picareta. O gasómetro (única forma de iluminação), o carbonete (gás necessário para o funcionamento dos gasómetros) e outros tipos de materiais eram os próprios trabalhadores que tinham de comprar com o seu salário e para não bastar, tinham de pagar os seus alimentos a uma cantina existente naquele local.


Da Mulher :

As mulheres também tinham umas péssimas condições de trabalho, trabalhavam cerca de nove horas. Estas tinham várias tarefas, uma delas era partir o carvão de joelhos, estas trabalhadoras chamavam-se britadeiras. Para a realização do seu serviço usavam simplesmente uns óculos e um martelo de britar. Apesar de estas mulheres trabalharem de joelhos, não lhes era permitido qualquer tipo de protecção. Durante o seu afazer, era-lhes recusado água. Estas trabalhadoras tinham uma mão livre e a outra ocupada com o martelo de britar. Caso parassem com o seu trabalho para descansar (colocando a mão livre no chão) ou simplesmente para falar, eram vítimas de agressões físicas por parte do capataz.
Outra das tarefas que as mulheres tinham era fazer o transporte do carvão para ou outros sectores. As cargas tinham cerca de 1000kg e só duas mulheres podiam empurrar essas cargas. O solo tinha inclinações e muitas das vezes, nas descidas, os vagões descarrilavam por estas não terem força suficiente para segurar a carga.
Doenças
Na altura, existiam alguns problemas relativamente ao serviço mineiro. Devido ao pó de carvão que os mineiros, durante a realização do seu trabalho inalavam, corriam o risco de contrair uma doença, a Silicose, intitulada na altura, a “doença dos mineiros”. Esta era uma doença incurável e só era detectada através de radiografias. Quando detectadas, os operários eram enviados para outro sector onde não estivessem em contacto com o carvão, para poderem continuar a trabalhar, sem prejudicarem ainda mais a sua saúde.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Casa da Malta/Museu Mineiro

Antiga casa que servia de alojamento aos mineiros, os “malteses”, este edifício adquirido à Companhia das Minas de Carvão e reconstruído pela Junta de Freguesia da Vila de S. Pedro da Cova é, desde 30 de Setembro de 1989, Museu Mineiro. Único no género em Portugal, constitui o exemplo vivo da preservação de todo um passado histórico relativo à tradição mineira local bem como à memória colectiva da gentes de S. Pedro da Cova.

“ … O Museu Mineiro apenas permite mostrar parte da negra realidade em que eram obrigados a trabalhar os mineiros e outros trabalhadores das minas e de como era feita a exploração do carvão (antracite).

A Casa da Malta significou, e significa ainda, para muitos dos que trabalharam nas minas, a separação de suas famílias e a criação de laços de amizade com outros companheiros de fortuna, numa vivência colectiva marcada pela repressão e exploração desumanas.

A história do povo de S. Pedro da Cova está totalmente associada a um passado de luta contra o jugo opressor e a reivindicação de melhores condições de vida e de progresso social.

A partir de agora podemos usufruir de um espaço de cultura e de lazer onde funciona além do Museu Mineiro, uma Biblioteca, um Centro de Dia para a 3ª Idade, um Gabinete de Apoio aos ex-trabalhadores das minas e um Anfiteatro para realização de diversas iniciativas.”
(in discurso de intervenção de Constantino Loureiro, Presidente da Junta de freguesia de S. Pedro da Cova, na inauguração da Casa da Malta/Museu Mineiro, em 30/09/89).

Informação retirada do folheto: Casa da Malta/Museu Mineiro.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Actual Complexo Mineiro









Texto de opinião sobre a visita ao Complexo Mineiro


No passado dia 6 de Fevereiro, o nosso grupo dirigiu-se juntamente com a responsável da Casa da Malta/Museu Mineiro de S. Pedro da Cova, a um percurso museológico. Este percurso começou com a saída da Casa da Malta/ Museu Mineiro, passámos por um Bairro de Operários mineiros onde observámos o tipo de casas em que estes homens e mulheres viviam. Vimos o campo de futebol que a companhia das minas patrocinou para a organização de uma Associação Recreativa e Desportiva do seu Pessoal. Passámos por mais uma antiga Casa da Malta onde actualmente se encontra em actividade o café "O Emigrante".
Depois de passarmos por uma Escombreira (plataformas artificiais formadas pelo depósito de resíduos estéreis, no caso de S. Pedro da Cova, resultantes da exploração de carvão), pelo Centro de Saúde, pela Cooperativa (Cantina) / Padaria, Farmácia / Posto Médico / Escola e Casa da Direcção chegámos ao ponto mais marcante da visita museológica: o Complexo Mineiro de S. Pedro da Cova.
Depois de entrarmos dentro do complexo mineiro o que observámos é do ponto de vista cultural e histórico, completamente triste. Pessoalmente considerei o que vi, uma das coisas mais bonitas que se pode ver mas num estado lastimável.
Quem quiser perceber o que eu quero dizer, basta imaginar aquilo mais belo que alguma vez já viu e transformar isso em algo degradado, com “graffitis” e “tag’s”, sujo, com ervas e silvas. É triste ver um monumento considerado património nacional que representa o suor de centenas de seres humanos e em alguns casos as suas próprias vidas, a realizarem aquilo que eu considero uma das profissões mais nobres que pode haver, a ser deixado ao abandono e aos poucos começando a desaparecer.
O complexo mineiro que em muito ajudou a impulsionar a economia da zona de Gondomar / Porto, está em fase de destruição pela ânsia por dinheiro dos responsáveis. Aquilo que demorou anos a construir, pode desaparecer em muito pouco tempo.
Por muito que tente, nem eu nem o meu grupo, conseguimos ser indiferentes ao que vimos e é por isso que vamos tentar fazer algo para o preservar e valorizar, para que não caia em esquecimento. A todos aqueles que se quiserem juntar a nós basta deixarem uma mensagem neste blog. Muito Obrigado.


Informação sobre os lugares visitados recolhida do folheto do percurso museológico, fornecido pela Casa da Malta / Museu Mineiro de S. Pedro da Cova.

À Superfície das Minas

Na superfície, a realização do trabalho era dominado pelas mulheres e pelas crianças.
O trabalho da escolha do carvão era feito num espaço coberto, onde as mulheres (escolhedeiras) se posicionavam em volta de um tapete rolante onde era feita a selecção do minério. Uma outra função essencial das mulheres era a britagem (britadeiras) do carvão bruto extraído pelos operários do subsolo. As trabalhadoras eram ainda obrigadas a executar outros tipos de serviço, entre os quais empurrar vagonetes carregadas de carvão bruto e transportar à cabeça carvão e lodo.
As mulheres e as crianças eram contratadas por um custo salarial inferior ao dos homens, esta diferença era justificada pelo facto de o trabalho feminino e infantil ser considerado “leve” e “simples”, adaptado com a suposta fragilidade físico-mental dos contratados. Além disso, prevalecia o argumento de que essa actividade possibilitava um ganho adicional para a família mineira.

“Trágico fim de um mineiro em S. Pedro da Cova”


“Num trágico desastre ocorrido hoje, de manhã, nas minas de S. Pedro da Cova, perdeu a vida um mineiro que deixa na orfandade três filhos de tenra idade.
A principiar mais um dia de duro e intenso labor, cerca das 7,30 horas, encontrava-se na secção nº 55, junto da chaminé do Poço do Grilo, a algumas dezenas de metros de profundidade o mineiro Francisco da Silva Sousa, de 30 anos, casado, residente no bairro da Empresa das Minas de S. Pedro da Cova, acompanhado do seu ajudante Adão de Freitas Pinto, de 19 anos, solteiro, residente no referido bairro.
A certa altura quando ambos procediam à difícil tarefa de extrair o carvão, por motivos que de momento se desconhecem, deu-se um súbito e inesperado desmoronamento no local onde os dois homens se encontravam.
Antes porém e apercebendo-se do perigo iminente o Francisco avisou o seu companheiro que se afastasse sendo logo a seguir esmagado pelas pedras que lhe causaram a morte instantânea. O aviso do infeliz evitou que o seu companheiro de trabalho tivesse também um fim trágico.

Dado o alarme prontamente acorreram aquela galeria grande número de mineiros que após porfiados trabalhos feitos em condições deveras difíceis, pois havia o perigo de novas derrocadas, conseguiram trazer para a superfície o corpo do malogrado Francisco da Silva Sousa que foi removido para a farmácia da companhia.

O trabalho nas minas é sempre acompanhado dos mais variados riscos porquanto os operários que nelas actuam estão sujeitos a perigos que vão desde o desmoronamento de terras até à presença, nas galerias subterrâneas, dos diversos gases inflamatórios e tóxicos que, com frequência, surpreendem os trabalhadores das minas. Por tal razão, as precauções tomadas são muito severas, a obrigar o uso de calçado e vestuário próprios, de capacetes adequados, máscaras de vários tipos e de sistemas de iluminação sem chama. Por sua vez, a própria abertura das galerias, a sua comunicação com o exterior, para que se consiga uma ventilação quanto possível perfeita, e outros aspectos estruturais, são alvo de cuidadosos estudos e de muito atenta fiscalização.
Apesar disso, e dos próprios operários, que trabalham nas minas há algum tempo já, terem como que a percepção de acidentes próximos, assim mesmo é muito considerável o número de vítimas verificado entre os primeiros. E ao trazer-se às páginas de «O Acidente» o caso relatado na notícia que transcrevemos, faz-se prova da percepção referida, mas, sobretudo, tem-se a pretensão de destacar o procedimento da vítima, Francisco da Silva Sousa, que, apercebendo-se da derrocada iminente não quis abandonar o local sem ver longe dele o menor que o acompanhava como seu ajudante. Foi, pois, vítima da sua abnegação – de uma abnegação que o Adão de Freitas, por ter sido salvo, jamais poderá esquecer e não terá melhor forma de o recordar do que usando de todos os meios de segurança capazes de defender uma vida que, apesar da sua, ficou para sempre empenhada pelo sacrifício da outra”.

“Trágico fim de um mineiro em S. Pedro da Cova”, O acidente do mês, 1969-01-06

Casa da Malta retrata o passado de São Pedro da Cova - “Museu lembra vida nas minas”

“As minas de São Pedro da Cova encerraram na década de 60, mas reabriram, como museu, para perpetuar a memória de gerações de operários”.




“A Casa da Malta guarda muitas histórias mineiras de São Pedro da Cova, em Gondomar. Renasceu depois do 25 de Abril, como museu, a fim de perpetuar a memória dos que sofreram a exploração fascista.

David Rodrigues, de 80 anos, é o zelador. Nunca trabalhou nas minas, mas viveu, pelo sofrimento de familiares e amigos, a brutal exploração dos operários – «toupeiras humanas debaixo do chão», como ele lhes chama num dos seus poemas.
As minas, com quase século e meio de actividade, encerraram na década de 60. Debandaram os malteses ainda mais pobres do que quando chegaram. O dormitório onde pernoitaram, exaustos, minados pela doença, em celas exíguas sobre enxergas de fetos, também fechou portas. Reabriu depois da Revolução de Abril, como museu, para lhes perpetuar a memória.
É aqui, na Casa da Malta, que David Rodrigues passa os dias a explicar aos mais novos as histórias dos mineiros de São Pedro da Cova. À entrada, no jardim, está «a viúva», o eléctrico negro que transportava o carvão para o Porto. No interior, no rés-do-chão, há uma vagoneta carregada, além da reconstituição da entrada da mina e de todos os utensílios, desde o picão à lanterna, utilizados pelos mineiros.
O preto e branco de fotografias expostas nas paredes mostram-nos o trabalho das mulheres: empurram vagonetas e britam pedras de carvão. Vislumbram-se rostos tristes, de quem sofre em silêncio. No andar de cima há amostras de carvão e de outros materiais fossilizados. E uma cela intacta, a enxerga e a janela estreita, lá no alto.
«O mineiro saía da mina e entrava neste buraco», esclareceu David Rodrigues ao nosso jornal.
Em espaço próprio, David Rodrigues guarda o arquivo da companhia. São milhares de fichas com o cadastro dos operários, ao lado de outras pastas com inquéritos quase policiais aos trabalhadores e a indicação das sanções aplicadas. No ano de 1959, um operário foi surpreendido pelo capataz com cinco pinheiros, «furtados da floresta da companhia, onde já se encontravam cortados pelo nosso pessoal» – conforme se pode ler numa informação ao director técnico da mina. O capataz propôs como castigo ao «infractor» uma pena de três dias de suspensão. O director rubricou essa informação e no local próprio da ficha confirmou a pena.
Num outro documento é acusado um determinado mineiro de ter partido a parte de vidro que resguardava uma lâmpada eléctrica. «O arguido», refere a acusação, «revelou falta de cuidado. Proponho que a substituição da lâmpada seja feita à custa do operário, a fim de evitar abusos no futuro.» O director concordou com a pena. Teve, então, o operário de pagar «a importância de 30 escudos». Muito dinheiro para quem, na década de 40, ganhava 21 escudos diários – se estivesse na categoria de mineiro de primeira. As penalizações são múltiplas e, no mínimo, surrealistas.
Houve mineiros, conta-nos David Rodrigues, que abandonaram a mina sem receberem o salário.
Mesmo assim, refere, ainda ficaram em débito com a companhia. Porque o rol de infracções a descontar no ordenado é imenso: largar o trabalho sem avisar o superior, não ter minado o espaço marcado pelo capataz, sair da mina descalço, entre outras.

Solidariedade de um cavalo

Foram longos anos de exploração, de chantagem, de prepotência. Em 1946, pelo menos, os mineiros uniram-se e levantaram-se contra «o patronato nazi-fascista». A história vem contada num folheto do Partido Comunista Português, guardado com zelo na Casa da Malta.
«As condições de trabalho destes operários», diz o folheto, «são as piores que se conhecem. Sem condições higiénicas, trabalhando num calor de forno, saem da mina para o frio e para a chuva descalços e sem qualquer agasalho que os defenda!»
A maioria dos trabalhadores recebe «menos do que 21 escudos diários» e os salários «estão sujeitos a grandes descontos»: quem ganhar 21 escudos tem um desconto diário de oito por cento, mas precisa ainda de descontar 7,5 escudos por semana para o carboneto, e 2,5 para o sindicato – «à frente do qual se encontrava o grande traidor da classe operária, António de Espinho».
Neste levantamento, o que estava em causa era a exigência de um «aumento dos salários, de mais géneros e de melhores condições de vida. Os incidentes, porém, acabaram com a prisão de quatro mineiros. «Mas os seus camaradas, companheiras e filhos, acorreram imediatamente ao posto» e conseguiram, com êxito, a liberdade de detidos.
O zelador da Casa da Malta guarda o folheto dentro de um envelope. Foi o filho de um engenheiro, diz à nossa reportagem, quem «ofereceu este exemplar». Conta-nos, depois, o número de vezes que passou pela Rua do Heroísmo, a delegação da Pide no Porto. E a história surpreendente de um cavalo.
Chamava-se Leal e o seu trabalho era puxar vagonetas carregadas de carvão. Parava, porém, quando chegava a hora de almoço dos operários. E ninguém o demovia, também, se a carga fosse superior ao habitual. «Há animais», comenta David Rodrigues, «mais solidários do que certos homens»”.

MANGAS, Francisco, “Museu lembra vida nas minas”, Diário de Notícias, 1994-10-24

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Entrevista a Alípio Rodrigues da Cruz

(...)Já ia para os 30 anos.Fui para lá como enchedor ganhar oito mil e quinhentos escudos. Quando eu lá andei, andavam para cima de 300 pessoas porque no tempo da guerra não havia que comer e as minas acudiram a muita gente. Pegava às 10 da noite até às 6 da manhã e meia hora para comer. Levávamos a marmitazinha e comíamos no fundo da mina, em cima duns cepos. Havia uma máquina que apitava a todas as horas mas a gente no fundo não ouvia. Sabíamos quantas horas eram porque tínhamos um relógio de bolso. Não havia balneários. Saíamos todos pretos do fundo da mina e lavávamo-nos em casa. O chofage era o melhor carvão, o de primeira, depois tínhamos o arraiana que também ardia mas não ardia tanto, e havia o mistro que era o que fazia aquelas bolas.
O carvão, naquele tempo, era transportado nos carros de bois. Ia para as caldeiras que havia no Porto, para Massarelos, para a Fábrica da Leonesa e para diversas coisas. Depois é que puseram as zorras, uma espécie de eléctrico aberto, que levavam o carvão das minas de São Pedro da Cova. Quando se fez o campo das Antas, as cestas do carvão, de cabo aéreo, iam daqui para o Monte Aventino, de lá iam para a Estação de Rio Tinto e dali é que era distribuído o carvão para as caldeiras. Com o gasómetro gastava meio quarto de carbonete à minha conta. O gasómetro era para a gente se alumiar no fundo das minas. Usávamos o machado, a picareta com que a gente picava o carvão e o rodo de puxar. O mineiro ganhava 10$00 mas as regalias eram iguais às nossas. Tínhamos, por exemplo, uma cantina. Era tempo de guerra, era tudo racionado, falhava a broa em todo o lado mas na cantina nunca falhava e foi isso que me obrigou a ir para as minas, para matar a fome aos meus filhos. Eu tinha direito a 1 Kg de broa e os meus filhos tinham direito a 1/2 Kg. Lembro-me da greve dos mineiros de 1946. Aqui em baixo, defronte dos bombeiros, o sindicato tinha uma cantina e fazia lá sopa para os filhos dos mineiros porque, como eles estavam em greve, não havia que comer. Cheguei a lá ir. Mas aquilo era uma escravidão. No princípio, descíamos a pé para o fundo das minas. Depois, puseram uma escadaria que nem era escadaria nem nada. Parecia que íamos numa jaula. Era o guindaste de São Vicente. Eu chegava lá, tinha de vestir um calção, chamávamos nós uma tanga, e o corpo para cima em pelote, porque no fundo da mina era muito calor e a gente não aguentava. O capataz dizia assim: "amanhã ao fim de 8 horas quero tantas barlinas", que eram vagonetes. Mas o clima era muito quente e se não cumpríamos, chegávamos ao fim da quinzena e em vez de recebermos 15 dias, recebíamos só 12 ou 13. Os capatazes eram uns carrascos para nós. Obrigavam-nos a "botar" aquela conta e se a gente não "botasse", o castigo era não ganhar. Trabalhávamos e não ganhávamos. As galerias eram como os prédios, tinham o 1º, 2º, 3º, 4º e 5º piso. A gente só cabia em pé. Houve muitos acidentes. Até morreu muita gente. Uma ocasião, eu vinha por uma galeria abaixo e estraguei um pé. Nunca apanhei a silicosa mas muitos colegas meus apanharam. Quem quisesse falar com o Dr.Porfírio de Andrade que era o manda-chuva das minas, tinha de pôr o casco, o emblema, da Legião. Aquele que dizia alguma coisa já sabia onde é que havia de parar. Saía do fundo da mina e já estava a PIDE para o levar, como aconteceu a muitos. "Bufos" era o que havia mais e eles iam dizer ao Dr.Porfírio de Andrade e ele dava logo com a PIDE.
Andei no fundo da mina não chegou bem a 3 anos.
Depois fui trabalhar para a firma alemã Hintze e Companhia Lda. que era na Rua Sá da Bandeira, nº 520. Eram uma jóia de patrões. Sem saber ler, fui fazer a cobrança ao dia 10. Ia à Alfândega despachar máquinas, tirar as confrontações para as máquinas (que eram os números delas), ia aos bancos depositar ou levantar dinheiro... Comecei a ler qualquer coisinha à custa disso. Aprendi sozinho. Fui ganhar 950$00 e já descontava para a Caixa. Pelo meu sindicato, que era o Sindicato dos Caixeiros, eu não tinha direito a folga mas o patrão dava-me por livre vontade dele. Dava-me, por exemplo, quinze dias de férias para eu descansar. Trabalhávamos sete horas e meia por dia. Ao Sábado de tarde e ao Domingo já não trabalhava. Ao fim do ano, davam-me um conto de réis como gratificação de Natal. Naquela altura era muito dinheiro. Trabalhei 20 anos nessa firma. Quando saí ganhava um conto e cem e davam- me o passe que era bem bom. Saí porque eles ficaram sem a representação da marca Agfa. Deram-me uma carta com aviso prévio e uma indemnização de vinte contos. Ao fim de três meses estávamos todos despedidos. Dali fui para a Pensão Aviz, para a Rua Entreparedes, restaurar salas. Fazia trabalho de marceneiro. Punha cortinados, sanefas a correr à mão, arranjava camas. Fui para lá ganhar 13$00 por dia e davam-me de comer ao meio-dia. Trabalhava oito horas por dia e também trabalhava ao Sábado mas depois o patrão deu-nos o Sábado de folga. Estive lá 12 anos. Quando saí, na idade da reforma, já ganhava quatro contos e tal. Hoje é que estou com 46 contos. É uma miséria. Depois dediquei-me a fazer peças de artesanato. Tenho aqui a banca de matar porcos e o alguidar porque naquele tempo, em São Pedro da Cova, não havia matadouro e os porcos matavam-se em casa. A gente ia lá buscar o sangue para fazer papas em casa. Há 16 anos, fui convidado para concorrer a um curso que era para pôr os deficientes a trabalhar. Era no Carvalhido e na altura ganhava 60 contos por mês. Ensinei-os a fazer miniaturas em madeira. Fez-se uma exposição dos trabalhos que eles fizeram, frente à Câmara de Gaia, e fui entrevistado no programa "Às Dez". Também trabalhei muito para o Museu Mineiro. Fiz as camas, trabalhei na limpeza porque aquilo era uma miséria ali no bairro. Eu e os outros. Tudo de graça. Este ano, o Sr. Valentim Loureiro condecorou-me no dia dos meus anos, no dia 26 de Maio.
(Retirado do site “http://cdi.upp.pt)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Perspectiva Histórica das Minas de S.Pedro da Cova

A Mina de São Pedro da Cova, integrada na bacia carbonífera do Douro, foi descoberta no final do século XVII, quando Manuel Alves de Brito encontrou camadas de carvão no sítio de Enfeitador.
até 1804, a extracção foi irregular, utilizando uma tecnologia rudimentar, não ultrapassando os 100 metros de profundidade A exploração era considerada, como "muito irregular, pouco abundante e nociva pelo muito combustível que a má direcção de trabalhos inutilizou", atingindo os poços 140 metros de profundidade e as galerias 320 metros de extensão,
As condições de trabalho eram, mesmo para a época, de uma grande dureza.
A iluminação fazia-se a candeia de azeite e, no interior, a extracção processava-se através de "uma longa fila de rapazes que passava de mão em mão uns cubos de madeira contendo o carvão".
As galerias tinham uma secção de 2,20 m X 1,80m.
Em 1890, um relatório "Catálogo Descritivo da Secção de Minas" dizia que "é de notar a relutância que tem o concessionário a introduzir os melhoramentos aconselhados pela moderna arte de minas" e que o esgoto e extracção "são dos mais primitivos e irregulares que conhecemos, sendo para lamentar que uma mina auferindo tão bons resultados continue a seguir uma rotina vergonhosa". Até quase ao final do século XIX não existiu "caixa de socorros" e a duração do trabalho era considerada má e "sobretudo para os menores (...) excessiva". E o mesmo relatório acrescentava:
"Nos trabalhos subterrâneos, que são muitíssimos árduos, feitos no meio de uma atmosfera mais ou menos corrompida e sob temperatura elevada, parece-nos prejudicial para os menores a actual distribuição de horas de trabalho...".
Em 1900, a produção anual era calculada em 6 000 toneladas; em 1914 atingiu as 25 mil toneladas e em 1932 foram extraídas de São Pedro da Cova 183 289 toneladas de antracite em bruto.
Às duras condições de exploração, doença, miséria e às condições de trabalho sub-humano assinaladas por notícias de acidentes e mortes, nunca se vergaram os mineiros, que criaram uma tradição de luta em que várias vezes pagaram caro a coragem de defender o seu direito à dignidade.
Desta tradição são memoráveis a greve geral em 1923, provocada, segundo a imprensa, pela "situação miserável dos mineiros [...] dada a exiguidade dos salários" e tendo como causa imediata a suspensão de um camarada que teria sido encontrado "dormindo vencido pelo sono e pelo cansaço depois de 16 horas consecutivas de trabalho".
A greve terminou com a aceitação, pela empresa proprietária, da " admissão completa de todo o pessoal" suspenso e o "cumprimento integral do horário de 8 horas de trabalho", além de outras regalias salariais e sociais. Em Março de 1946 foram presos 27 mineiros por se oporem ao brutal aumento dos géneros fornecidos pela chamada cooperativa da mina e ao agravamento das condições de trabalho; as suspensões, castigos e cargas de trabalho intensas fariam um rol inumerável, ao longo dos 150 anos de laboração das minas que, em 1941, em plena guerra, chegaram a produzir 360 mil toneladas de carvão.
As minas de São Pedro da Cova puderam resistir a esta confrontação com os novos meios de produção de energia, enquanto a Central Termo - Eléctrica da Tapada do Outeiro absorveu 85% (90 toneladas das 120 mil toneladas anuais) do carvão extraído.
Quando, em 1969, aquela Central foi reconvertida e passou a utilizar Fuelóleo como combustível, deixando de queimar os carvões da bacia do Douro - função para a qual, aliás, teria sido construída -, o futuro das minas ficou definitivamente comprometido, bem como o de toda uma comunidade que delas dependia e a que não foram proporcionadas alternativas de mudança profissional.
Quando foi encerrada, integravam o complexo mineiro 312 homens do interior, 171 do exterior e 85 mulheres, além de técnicos; produziu 101 000 toneladas no seu último ano de laboração e alguns mineiros extraíam, em média, mais de uma tonelada de carvão, rendimento considerado pela Flama, de 20 de Março de 1970, "uma autêntica epopeia de trabalho".

Defender e valorizar a memória e identidade de São Pedro da Cova


As marcas, os testemunhos e a memória de tal epopeia arrastam agora uma existência cada vez mais apagada, como se pretendesse varrer da superfície da terra e da história do país o registo da vida e da recordação dos que ajudaram também a construí-lo anonimamente.
É por todas estas razões que importa salvaguardar a memória desta actividade, dos seus trabalhadores e da exploração a que foram sujeitos.
Tendo em conta que a Junta de Freguesia de São Pedro da Cova deu o primeiro passo e criou o Museu Mineiro, onde se encontram um conjunto de documentos e objectos utilizados nos trabalhos da mina, importa dar o próximo passo e, aproveitando a experiência já existente, criar um novo museu que salvaguarde o que resta das actuais instalações e equipamentos do corpo principal da mina e da entrada para o poço de São Vicente.
Importa aprofundar o trabalho meritório realizado pela Junta de Freguesia de São Pedro da Cova e recolher, organizar os materiais e documentos, registos, instrumentos de trabalho, etc.
Importa, e este projecto de lei visa-o, criar um museu moderno e dinâmico que, aproveitando instalações como o cavalete do Poço da Mina de São Vicente, seja um receptáculo das memórias da actividade mineira em São Pedro da Cova e seja um bastião de salvaguarda dessas memórias para que as futuras gerações nunca mais esqueçam o que foi a actividade mineira em São Pedro da Cova e homenageiem os seus trabalhadores.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentaram um Projecto de Lei.


Texto, informações e citações retiradas do site: http://www.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=34280&Itemid=196

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Minas enterraram S. Pedro da Cova


Freguesia de Gondomar deu trabalho a milhares de pessoas de toda a zona Norte e até do Alentejo.
Quase 40 anos depois da exploração mineira ter encerrado, passou a ser dormitório da Área Metropolitana. E para contar as memórias das minas já restam poucas vozes...
Quando Jerónima Santos fecha os olhos ainda consegue ouvir o som de máquinas a trabalhar, do carvão a encher os vagões, da sirene a chamar operários para o "buraco". Tinha 11 anos quando foi encerrada a exploração das minas de S. Pedro da Cova, Gondomar, corria o ano de 1970. Ficou o silêncio. Um silêncio pesado que ainda se sente na freguesia.
Nos tempos áureos, as minas davam trabalho a gente do Douro Litoral, Minho e até do Alentejo. Chegaram a empregar mais de 1600 pessoas, entre homens, mulheres, rapazes e raparigas. De um dia para o outro, acabou tudo. Quase 40 anos depois, S. Pedro da Cova é um dormitório da Área Metropolitana do Porto, freguesia praticamente estagnada, com poucas aspirações e muitos dependentes do Rendimento Social de Inserção. O espírito de união e a identidade dos que ali viviam ("quase toda a gente tinha alcunhas") foi-se diluindo. São cada vez menos os que carregam memórias do tempo das minas.
O JN foi ouvir algumas dessas vozes que restam. Um mineiro, uma britadeira e um capataz (ler página ao lado). Recebem-nos com um sorriso, mas contam histórias de vidas tristes, de fome, de condições de trabalho miseráveis, de lutas sociais e da opressão do regime de Salazar.
"Era garoto, mas nunca mais me esqueci do dia em que vi os operários a saírem enfarruscados da mina, com os seus trajes pobres, exaustos, e serem conduzidos para as carrinhas azuis da PIDE", conta Rui Fonseca, 58 anos, licenciado em História e filho de um engenheiro de minas que se fixou na freguesia em 1943.
Apesar de ter melhores condições económicas, Rui Fonseca cresceu com os filhos dos operários das minas, frequentava a mesma escola e a casa deles. "Viviam com muitas dificuldades. A maioria dos miúdos de hoje, não faz ideia do sofrimento dos seus antecessores", continua.
O carvão de S. Pedro da Cova foi descoberto em 1795, mas só nas primeiras décadas de 1900 é que a exploração das minas atingiria o apogeu, com uma extracção de cerca de 330 mil toneladas por ano. O carvão era transportado para o Porto, mais concretamente para o Monte Aventino (zona das Antas), em pequenos vagões, suspensos por um cabo aéreo, com nove quilómetros de extensão. No regresso, os vagões paravam na estação de Rio Tinto para carregar a madeira que servia para escorar as paredes subterrâneas. Na segunda metade do século XX, a chegada do petróleo põe um fim à história do carvão.
Nas minas de S. Pedro da Cova trabalharam famílias inteiras. Muitas deixaram a agricultura em busca de melhores condições de vida. "Era uma fila enorme para as inscrições", recorda Aurora Dias, 89 anos, 27 dos quais a transformar o carvão em brita ou em briquetes.
Os homens entravam para as minas por um elevador ("jaula") encastrado no que é hoje o Cavalete de S. Vicente e desciam quase 94 metros. O lugar mais fundo ficava a 450 metros de profundidade e só se atingia a pé. "Levavam o farnel ao ombro, o gasómetro numa mão e o machado na outra", conta Rui Fonseca. Da "jaula" seguiam, descalços sobre as pedras afiadas, para as suas frentes de trabalho, onde picavam as camadas de carvão durante oito horas. "O trabalho tinha de ser muito bem feito, senão ficavam soterrados", relata Rui Fonseca. Quando o elevador subia, devagarinho, e os homens cá fora falavam baixo uns com os outros, Aurora Dias já sabia o que aí vinha: "Era morto ou aleijado", recorda.
A muitos mineiros, não se sabe quantos, nem a Santa Bárbara lhes valeu. Se não morreram soterrados, ficaram com sequelas irreversíveis nos pulmões. A imagem da padroeira, retirada do fundo da mina quando a exploração cessou, foi entretanto recuperada. "Mandámos restaurá-la e fez-se a capela", conta Jerónima Santos, professora e sobrinha de Aurora Dias. Por trás da capela ergue-se o Cavalete do Poço de S. Vicente, quase em ruína, à espera que alguém o recupere e o transforme num museu vivo, com possibilidade de descer à mina e experimentar a sensação de "trabalhar enterrado", como os mineiros diziam.


SHRECK, Inês, "Minas enterraram S.Pedro da Cova", Jornal de Notícias, 2009-11-09